terça-feira, 9 de novembro de 2010

Livro de Horas

  

Aqui, diante de mim,

Eu, pecador, me confesso

De ser assim como sou.

Me confesso o bom e o mau

Que vão em leme da nau

Nesta deriva em que vou.

 

Me confesso

Possesso

Das virtudes teologais,

Que são três,

E dos pecados mortais

Que são sete,

Quando a terra não repete

Que são mais.


Me confesso

O dono das minhas horas.

O das facadas cegas e raivosas

E das ternuras lúcidas e mansas.

E de ser de qualquer modo

Andanças

Do mesmo todo.


Me confesso de ser charco

E luar de charco, à mistura.

De ser a corda do arco

Que atira setas acima

E abaixo da minha altura.


Me confesso de ser tudo

Que possa nascer em mim.

De ter raízes no chão

Desta minha condição.

Me confesso de Abel e de Caim.


Me confesso de ser Homem.

De ser o anjo caído

Do tal céu que Deus governa;

De ser o monstro saído

Do buraco mais fundo da caverna.


Me confesso de ser eu.

Eu, tal e qual como vim

Para dizer que sou eu

Aqui, diante de mim!

 Miguel Torga

Um comentário:

  1. Por aqui passo para lhe desejar a vc e familia um optimo fim de semana, e reler este poema de Miguel Torga, transmontano e amante da vida que desponta nesses vinhedos e nesse rio Douro que serpenteia de vida.
    uma onda imensa de amizade lhes envio deste outro lado do mar
    sfsousa

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